domingo, 8 de maio de 2011

Vila Chocolatão às vésperas da remoção

A Vila Chocolatão está sendo removida entre os dias 9 e 15 de maio do centro de Porto Alegre para a periferia.

A relocação é parte das ações adotadas pela prefeitura para "limpar" a cidade em função da Copa do Mundo em 2014.

Entenda mais sobre o processo a partir do documento que segue. Uma denúncia formal feita pelo Grupo de Assessoria Justiça Popular (GAJUP), Associação dos Geógrafos Brasileiros, Serviço de Assessoria Jurídica Universitária - SAJU e Faculdade de Direito da Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS.

Segue, também, o vídeo realizado pelo GAJUP- SAJU e AGB com o apoio da Catarse, contextualizando a situação.


Aos integrantes da Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul.
Aos integrantes da Câmara de Vereadores de Porto Alegre.
Ao Ministério das Cidades.
A Caixa Econômica Federal.
Aos Defensores dos Direitos Humanos.
Aos Cidadãos do Rio Grande do Sul.


“Lei que a vida promulga essa
gente não revoga...



Objetivo - Preocupação quanto à remoção de aproximadamente 700 pessoas.

Assunto - Vila do Chocolatão sem inclusão: realocação e despejo no inicio de maio (urgente).



A primeira quinzena do mês de maio de 2011 será de tristeza para muitas famílias da Vila do Chocolatão. Nesse período, a comunidade será despejada do local onde se encontra, ao lado do Parque Harmonia, em Porto Alegre.

É notório o fato de que há quase uma década tramita na Justiça Federal processo de reintegração de posse em face desta comunidade. Todavia, também é notório que a liminar que dava direito à União de reintegrar-se na posse foi suspensa, para que os direitos fundamentais e dignidade daqueles/as moradores/as fossem respeitados.

Apesar de os moradores contarem apenas com promessas de efetivação, conclusão e respeito a seus direitos fundamentais, eles estão prestes a ser realocados. Isso nos leva a indagar quais os interesses prevalentes na atual situação. Será que está prevalecendo a dignidade da pessoa humana ou simplesmente o término de uma gestão - Prefeitura/Tribunal- que quer efetuar a realocação ainda em seu mandato?


História
“Não tenho a terra própria
porque a história que eu escrevi
me deserdou no testamento.

Há mais de 20 anos algumas famílias instalaram-se naquela região, ironicamente às costas dos prédios da Justiça, na Avenida Loureiro da Silva, em Porto Alegre, constituindo, dizem, a primeira ocupação urbana do Brasil formada essencialmente por moradores de rua. Grande parte dos moradores especializou-se em retirar seu sustento da catação de materiais recicláveis na região central da cidade, contribuindo para a limpeza do local e gerando benefícios para toda a sociedade. Suados, empurrando carrinhos, despertam interesse e compaixão.

Entristece perceber que essa comunidade, há mais de 20 anos situada no entorno dos prédios da Justiça, tornou-se visível apenas quando houve o interesse na utilização da área. Nunca o poder público moveu-se no sentido de urbanizar aquela área, onde mais de 220 famílias moravam, disponibilizando eletricidade formal, esgoto e água encanada. Entretanto, agora, lá, planeja-se construir um estacionamento para o TRF4 e um novo prédio para o MPF, entre outros benefícios para a Justiça. Saem caixas, papelões e ratos, entram os mármores irretocáveis do poder estatal.

Ainda que relevante o trabalho desempenhado pela Governança na construção de um projeto de realocação respeitador dos Direitos Humanos Fundamentais, carece de maior profundidade em alguns pontos que, por sua relevância, não podem ser ignorados. De fato, há problemas que precisam ser solvidos antes que seja dado prosseguimento à realocação, sob pena de a população que ali reside ficar à mercê de ilusões e promessas de papel.



O Projeto de Realocação
“Eu preferia morrer se me
chegasse a faltar a vontade de
cantar e o direito de querer.

A Associação de Geógrafos Brasileiros (AGB), em parceria com o GAJUP (SAJU-UFRGS), realizou um estudo junto à comunidade, que culminou com a elaboração de um Laudo Técnico Socioeconômico (disponível em http://migre.me/4pkwt). Esse documento apontou o perigo de retrocesso social da comunidade, pois revelou que o Projeto apresentado pelo DEMHAB contém uma série de falhas extremamente graves, que, se não forem sanadas, acarretarão mais um fracasso de remoção de famílias e a violação dos direitos fundamentais mais básicos dos cidadãos da comunidade. Dentre esses problemas, destacam-se:

• Insuficiência de participação dos moradores na construção do Projeto de Realocação, o que afronta o novo Regime Urbanístico, previsto no Estatuto da Cidade;

• Insuficiência de moradias na área de realocação, já que, conforme dados de 2009, existem 225 famílias moradoras na comunidade, enquanto o projeto de remoção prevê a construção de apenas 180 casas. Tem-se, assim, que cerca de 45 famílias não serão contempladas. A solução apontada pela Prefeitura em relação a essas pessoas é a de encaminhá-las para o Programa Minha Casa Minha Vida;

• Insuficiência dos equipamentos públicos de saúde, educação e assistência social existentes na área de reassentamento, visto que a região de realocação conta com inúmeras ocupações irregulares e possui alta densidade demográfica (mais de 4 mil habitantes por Km² );

• Ausência de conscientização e capacitação da comunidade para fins de adaptação às novas condições de trabalho e moradia. Existência apenas de um tradicional trabalho técnico social, que foi iniciado com atraso e resultou em um comprovado fracasso;

• Construção de um galpão de reciclagem, que não comportará todos os trabalhadores da Chocolatão que atualmente trabalham como catadores e recicladores. Com efeito, o referido galpão possui tamanho reduzido e poucos equipamentos, e funcionará no tipo de organização associativista/cooperativada, forma de trabalho para a qual os moradores da comunidade não foram preparados;

Graves irregularidades - “Vamos mudar a miséria de endereço”?
“Era meu tudo que havia na
terra que já foi séria

Nesse mês acabaremos com o último reduto dos pobres no centro da cidade, em mais um exemplo de processo de limpeza que não se alinha à democracia:

1) Por anos se defendeu que os moradores não poderiam ser realocados sem que seus direitos fossem respeitados. Agora, contenta-se apenas com meras promessas. Promessas essas que a Prefeitura nega-se a colocar no papel, por certo sabedora de que não irá cumpri-las. Importante ressaltar que, recentemente, a Prefeitura negou-se a assinar Termo de Compromisso proposto pelo Ministério Público Federal.

2) Tamanho das casas inadequado frente à realidade e às características de cada morador. O projeto não foi planejado em conjunto com os moradores do Chocolatão, sob o ponto de vista humano.
Tem-se que as novas moradias, como apresentadas, longe estão de atender às reais necessidades dos moradores. O Poder Público insiste em perpetuar padronizações, ao invés de trabalhar com a realidade. Por esse motivo, um único morador receberá uma residência idêntica à de uma família composta por oito pessoas, que precisará viver em apenas dois cômodos. Isso revela um evidente mau gerenciamento do dinheiro público. Por outro lado, indica que não é à toa que Loteamentos como Santa Terezinha encontram-se totalmente descaracterizados, pugnando por nova intervenção do Poder Público.

3) Veja-se, ainda, que o carro chefe do referido Projeto de Realocação da Vila Chocolatão seria a geração de renda, conforme se depreende da análise do Projeto de Trabalho Técnico Social-PTTS e de outros documentos apresentados pela Prefeitura. Tem-se, todavia, que mesmo a proposta de geração de renda é bastante insuficiente, frente ao que se propunha. Ainda que seja sabido que o trabalho técnico social não se exaure quando da realocação, o certo é que apenas 27,37% desse trabalho foi concluído, conforme dados divulgados pelo próprio Município. Assim, apesar de os moradores removidos terem garantido um teto para morar, a mesma certeza não existe em relação ao acesso ao trabalho. De fato, a maioria dos moradores não sabe como colocará o pão de cada dia sobre a mesa, a fim de prover a própria subsistência e a de sua família. Importante lembrar que a única solução até o momento apresentada como “modelo” seria a construção de um Galpão de reciclagem pequeno, com número de equipamentos insuficientes, em vista da realidade da própria comunidade: duas prensas, um elevador, uma balança e dois carrinhos, sem área de resfriamento suficiente, dificultando a renda de mais 50 pessoas em uma realidade de aproximadamente 650 pessoas. A afirmação de um morador não vem em vão quando dita para todos ouvirem: “vamos mudar a miséria de endereço”, completando, ao final, que “isso é um estelionato, um estelionato politico”.

4) E, mesmo que assinado tal compromisso junto ao MPF, caberia ainda indagar o seguinte: já que se aguardou tanto tempo, por que não aguardar mais alguns meses até que tais providências sejam concluídas? Se não há dinheiro, por exemplo, por que não aguardar o término das casas do Projeto Minha Casa Minha Vida, com previsão de conclusão para junho de 2011, ao invés de colocar algumas famílias sob aluguel social, o que apenas contribui para onerar os cofres públicos?



Projeto habitacional sem projeto social = retrocesso social

...Onde exploram a miséria
E comem a geografia.”
Jaime Caetano Braun

- Durante o processo de convencimento da comunidade, inúmeras promessas não foram cumpridas pelos representantes máximos da municipalidade, bem como pela Diretoria-Geral do DEMHAB, conforme se pôde observar no “evento da presidência”, ocorrido na Câmara dos Vereadores em 06 de outubro de 2010. Nessa ocasião, o Diretor discursou para a comunidade sobre a construção de uma sede de associação modelo, de uma creche modelo e sobre a garantia de trabalho digno. Os moradores da Chocolatão, no aguardo, se questionam: “projeto modelo ou projeto pesadelo?”

- Vale lembrar que alguns moradores da comunidade ingressaram com Ação Judicial, para contestar o método de remoção e para manifestar a vontade de permanecer no local, devido à violação de seus direitos e à supressão dos direitos fundamentais já alcançados no centro da cidade. Como resposta, o governo efetuou o pedido de força policial para desocupação;

- As mulheres chefes de família que vivem na comunidade já sabem dos inúmeros problemas que seus filhos irão enfrentar: muitas não colocaram seus filhos em qualquer atividade de lazer, em vista de outras ocupações lindeiras e irregulares; outras temem por sua segurança e vida, e muitas já aventam a possibilidade de carência e até mesmo de não permanência em instituições de ensino.

- Constata-se, ainda, a insuficiência de creches e de Educação Infantil, já que a comunidade possui elevado índice de natalidade, e tem o acesso a essas instituições como uma necessidade básica. A própria Prefeitura declarou que a creche ficará pronta somente em agosto, apresentando, como solução, acolher aproximadamente uma centena de crianças da Chocolatão em um espaço provisório de apenas 40m²;

- A verdade é que, em relação a todas as séries de ensino, as soluções foram apresentadas às pressas e de forma insatisfatória. Com efeito, os colégios localizados na região do assentamento já se encontram lotados, e precisarão ser readaptados para comportar os alunos provenientes da comunidade do Chocolatão. Por readaptação, entende-se a supressão de salas de música, artes, etc., o que indubitavelmente compromete a qualidade do ensino.
Outra solução apontada pela Prefeitura foi a de disponibilizar transporte até o centro, para que as crianças e jovens da comunidade sigam estudando nessa área. No entanto, a “solução” ocasiona óbvia defasagem, tendo em vista a distância entre a escola e o assentamento e o fato de o método ter sido proposto de última hora, quando já iniciado o ano letivo.



Um breve requerimento

Desde logo solicitamos que as pessoas, organizados em suas respectivas instituições, grupos, comissões ou individualmente, sob pena de imenso retrocesso social e criação de novas injustiças: 1) garantam a proibição da remoção com uso da força policial, em vista das irregularidades aqui citadas; 2) elaborem pedido de esclarecimento à Prefeitura ANTES da remoção datada para a primeira semana de maio, para que as razões da pressa na realocação e remoção sejam esclarecidas e 3) solicitem que a Prefeitura esclareça, de forma satisfatória, o método de efetivação dos Direitos Humanos das pessoas a serem removidas, seja para a Protásio Alves, seja para o Programa Minha Casa Minha Vida.

Com votos de elevada estima e consideração,
Saudações a todas/os.

Grupo de Assessoria Justiça Popular – GAJUP

Associação dos Geógrafos Brasileiros
Serviço de Assessoria Jurídica Universitária - SAJU
Faculdade de Direito da
Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS 


*Matéria retirada de Coletivo Catarse.

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